“Falo que mudei de sexo antes ou depois de começar o relacionamento?”

Querido Urso! Aqui da Alemanha acompanho seu blog de perguntas e respostas, sou brasileira de PoA, 25 anos, gatenha, e com um big secret. Na verdade não nasci assim, sou (era) transexual, nasci com corpo de menino e cabeça de menina, fiz a transição, a cirurgia de “mudança de sexo”, e hoje vivo normalmente como uma loira de olhos verdes. Agora vem o “x” da questão, devo contar para um cara, antes de transar com ele? Ou transo, vejo que se for engrenar e virar um namoro, aí conto tudo? Meu maior medo é a confusão que se faz entre travestis e transexuais. Por favor, responda essa minha dúvida enooorme! Grüsse aus deutschland! Ex-Peter Pan
Caramba! Fiquei até na dúvida de como começar este e-mail… Devo usar “Cara leitora” ou “Caro leitor”? Juro que ainda não sei lidar muito bem com a situação, você é o primeiro transexual que me manda uma pergunta!
Aos demais leitores que vivem achando que algumas perguntas são inventadas, devo dizer que, quando recebo algo diferente do convencional, tenho o hábito de checar alguns dados e ver o Orkut da pessoa. Nesse caso específico, minha curiosidade me levou a ver o Orkut do rapaz e fiquei perplexo com o que vi. Com toda experiência que possuo, não conseguiria ter identificado, visualmente, que se tratava de um transexual se ela não tivesse me falado. O cara é uma mulher, porra! Nem adianta pedirem, não vou dar o endereço!
Sabe aquelas histórias de quando o cara está para morrer e passa o filme da vida dele inteiro em cinco segundos? Tive esse momento assim que percebi que não consegui identificar traços masculinos no Ex-Peter Pan… Putz… Será que já comi gato achando que era uma graciosa lebre? Não que fosse adiantar saber disso agora, afinal, o que está feito não pode ser mudado.
Eu sei que é diferente, mas me lembrei do caso “Saí com um travesti. Isso faz de mim um gay? Não, leitor, gay é o Papa! Se tiver mais alguém com dúvida é melhor não ler…”
Mas, pelo menos, me fez parar para pensar a respeito. Como eu me sentiria se soubesse que a gostosa com quem saí, na verdade, há menos de dois anos, se chamava João Carlos? Raiva, vergonha, medo, indiferença?
Cheguei à conclusão de que deve ser como saber que foi corno de uma mulher que te largou, uma mistura de tudo o que citei. Ok, passado é passado! Não me daria nem ao trabalho de procurar alguma igreja como aquelas que aceitam todo tipo de ex,”ex-ladrão”, “ex-puta”, “ex-corno”, “ex-comedor de rapazes que viraram moças”.
Supresa ou resignação
É muito difícil aconselhar sobre abrir ou não o jogo, portanto, vamos transportar o problema para presente. Temos então duas prováveis situações:
Conheci a moça e antes de qualquer coisa soube que ela é um ex-ele
É muito difícil saber a reação que um homem tem nessa situação, eu acho que, discretamente, abriria mão do pacote. Porém, acho que ainda assim, muitos abraçariam sem pensar duas vezes, outros pediriam mais uma cachacinha e alguns ficariam decepcionados que o brinquedo não tem o “item” de fábrica.
É claro que pode ter o cidadão que reagiria com violência, o que é inadmissível. O sujeito que toma uma atitude como essa ainda não aprendeu a conviver com a diversidade e ignora o direito que os demais têm em ser quem bem entenderem. A culpa é do sistema, claro… O meliante nunca tem culpa de nada, a sociedade é que não teve tempo de ensiná-lo a ser gente! Até parece…
Olhando pelo lado ético, considero falar antes uma boa opção. Pode acabar com suas chances com o cara, mas você se sentirá muito mais segura com uma relação baseada na transparência. Você não cometeu nenhum crime ou tem algo para se envergonhar!
Estou namorando/noivando uma moça e quando começamos a falar em casamento, vem a surpresa
Falando claramente, agora lascou tudo! Que situação do capeta! De um lado está o amor da sua vida em uma embalagem genérica, do outro está a sua masculinidade e tudo aquilo que você aprendeu sobre homens e mulheres. Não sei se o capítulo “Como lidar com mulheres que eram rapazes” está no seu livro de instruções, mas no meu não está!
Minha reação dependeria do momento, por exemplo, se eu ficasse sabendo da sua situação depois de um dia estressante, a coisa poderia ficar feia… Já pensou? Você sai de casa, pisa na merda, rala o carro na coluna da garagem, é fechado por uma senhora de duzentos anos no trânsito, chega atrasado no escritório, é demitido, o gerente te liga avisando que sua conta foi bloqueada por engano, mas que em cento e vinte dias você poderá ver seu dinheiro de volta, vai almoçar com sua mãe que te fala que você é filho do verdureiro e seu pai sempre foi gay. “Ufa!” – pensa você, “Que bom que o dia acabou!”
Mas, não! De jeito nenhum! O idiota, não satisfeito com o dia de cão que teve, resolve ir namorar ao invés de se trancar em um quarto e esperar o dia passar. Quando a porta abre já escuta a famosa frase “precisamos conversar”. Putz… Que merda! “Que foi que eu fiz de errado?” e “Será que… Não… Ela não saberia…” são os dois pensamentos que mais lhe aflige. Santa ingenuidade! Antes fosse…
Sabe qual seria a manchete estampada no jornal do dia seguinte? “Blogueiro fica louco e mata namorada com 258 facadas!”. No outro dia a notícia já estará servindo de embalagem para algum feirante e tudo seguirá normalmente…
Se você for contar depois, sugiro que o faça em um dia calmo e muito feliz. Suas chances de sucesso são um milhão de vezes maiores. Acho que ficaria encabulado de falar disso abertamente com o pessoal do futebol, bem como, com a minha família, mas se estivesse realmente apaixonado, acho que continuaria o romance.
Só precisaria de um tempo para administrar a informação, um dia ou dois… Séculos… Isso quer dizer o quê? Provavelmente, nunca iria me acostumar com isso, mas poderia até conviver contanto que você não fizesse a barba junto comigo!
Bom, te dei meu ponto de vista. Até mais.
Obs. Será que tudo isso começou assim “Cinderelo deseja usar salto e quer saber se é normal! Quem responde essa?”
Para reflexação geral da nação, qual seria sua reação diante de um caso como esse?
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